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quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

vórtice, vertigem, voragem: qualquer abismo nas estrelas de papel brilhante no teto

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"Eu estava lá, no centro do furacão. E repito as palavras que são e não são minhas enquanto o porteiro do edifício em frente toca violão e canta, e a chuva desaba outra vez, e peço: por favor, me socorre, me socorre que hoje estou sentido e português, lusitano e melancólico. Me ajuda que hoje eu tenho certeza absoluta que já fui Pessoa ou Virgínia Woolf em outras vidas, e filosófo em tupi-guarani, enganado pelos búzios, pelas cartas, pelos astros, pelas fadas:

Me puxa para fora deste túnel, me mostra p caminho para baixo da quaresmeira em flor que eu quero encostar em seu tronco o lótus de mil pétalas do topo da minha cabeça tonta para sair de mim e respirar aliviado de por um instante não ser mais eu, que hoje não me suporto nem me perdôo de ser como sou e não ter solução. Me ajuda, peço, quando Excalibur afunda sem volta no lago.


– enquanto contemplo o céu no teto do meu quarto, girando intergaláctico em direção a ER-8, a estrela de 10 bilhões de anos, o cadáver insepulto para sempre da estrela perdida nos confins do Universo. Choro sozinho no escuro, você não enxuga as minhas lágrimas. Você não quer ver a minha infância. Solto nesse abismo onde só brilham as estrelas de papel no teto, desguardado do anjo com suas mornas asas abertas. Você não me ouve nem me vê, e se ouvisse e visse não compreenderia quando eu abrir os braços para Ela e saudar, amável e desesperado como quem dá boas-vindas ao terror consentido: voragem, voragem.
Voragem, vórtice, vertigem: ego. Farpas e trapos. Quero um solo de guitarra rasgando a madrugada. Te espero aqui onde estou, abismo, no centro do furacão. Em movimento, águas."


caio fernando abreu

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Gosto de gente de cara lavada. de cheiro suave. cabelo ao vento. gosto de vozes que não traem as palavras que dizem. gosto de almas que me falam, mesmo quando a boca tente dizer o contrário.


Gosto de sentimentos expostos, peito aberto sem rodeios, sem temores. Ausência de medo de ser. Viver, muito além de existir. fluir ao invés de falar, ser antes mesmo de pensar. gente que não ensaia gestos, não
perde muito tempo no espelho, não escolhe muito a roupa que sabe tirar devagar, calça qualquer coisa.


gente autentica. dentro e fora de si, dentro e fora de casa.

gosto de olhos que jorram amor, escorrem alma, por todos os lados, mesmo que poucos possam ver.
gosto de quem sabe me ver.

Nenhuma lei me governa, e nenhuma parede me cabe, e nenhuma tribo me seduz, e nenhum estilo me limita, e nenhuma mentira me acorrenta, e nenhuma verdade me escraviza, e nenhum rótulo me define, e nenhuma palavra me traduz, e nenhum preconceito me cega, e nenhuma pessoa me retém, e nenhuma estrela me abduz, e nenhum passado me atrasa. Eu sou aquela que está por toda parte, que passa por tudo e em nada fica.








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não digas a ninguém que sou triste, espelho meu
não digas que em mim já não existe
amor ou desamor
ou qualquer coisa que dure

não contes que não creio haver quem cure
que curar me possa da crueza
com que a vida atravessou-me
arrastou-me pelo chão
e hoje vejo mesmo beleza nessa imensa solidão.

a carregar o que sobrou tenho pesados os braços
nessa estrada chuvosa de escuro vento
cheira forte o meu cansaço
ao chamar do meu lamento
fria e parda, a lua desce
queima ainda a mesma dor
que o tempo muda de lugar
mas por dentro ainda grita. ensurdece.

calma e verdadeira, há uma lágrima que ainda é a primeira.
há a alma que se deixa rasgar, crua.
e o olhar no espelho diz-me quem sou.
vãs tentativas sob a mesma lua.










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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Os dispostos se atraem

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Você me adivinha estranhamente como se eu fosse toda escrita em um alfabeto tão seu. E diante dos seus olhos estranhamente vivos me vejo completamente transparente e vulnerável, nessa estranha certeza absoluta que temos um do outro e que nem mesmo nossas palavras e ações conseguem confundir.

E a verdade é que vou me inebriando disso tudo que é você, a verdade é que esse perigo que é você vem dominando sem achar resistência um a um dos meus pensamentos, embora eu evite a qualquer custo que chegue o dia em que nenhum deles mais me pertença. Então fugimos, recuamos, calamos, pela ansiedade de tanto a dizer ainda quando as palavras acabam, na esperança que nossos silêncios encharcados um do outro falem o que não conseguimos.

Calamos mas são nossos silêncios que dizem tanto e nos denunciam ainda mais do que o seria capaz qualquer palavra, e cada frase incompleta ou fugitiva ainda mais me trai e me arrasta pela rede a tão distante para me dispor inteiramente em suas mãos e esperar que me leves a qualquer parte ou em parte alguma.

E me vejo organizando as frases que tenho pra te dizer a espera de que me encontres nesses sutis enigmas e já admito ser impossível recuar, quanto mais tento ao perceber quão absurda é a ousadia do teu veneno, sou impulsionada a te buscar nas páginas do que me disseste, nas palavras que abandonas displicente, nas músicas tão suas em busca de que uma me mostre aquilo que você sutilmente adivinha , sem suportar a idéia de que possa crescer algo assim tão sorrateiro, embora vejamos completamente inevitável que tantos caminhos tortos possam terminar apenas um diante do outro, tão claramente que não foi possível perceber antes.

Mas diante desse doce imenso mar de carinho que não consigo conter dentro de mim e que começa a escorrer dos teus olhos quando me levas a qualquer parte, nas tuas tardes perdidas em pensamentos e buscas de ti, e desde que encontraste o teu nome em meus olhos também começas a guardar cada vez mais o meu nome nos teus, e na tua ansiosa solidão me encontras nas músicas que deixo e me desvendas e nos encontras por elas assim, e reafirmas essa certeza absoluta que tens de mim quando me ensinas a cada dia a aprender sempre mais da tua própria loucura, e da ousadia arrebatadora e angelical do teu amor quando me ensinas a cada dia que todo amor é indefinível e livre inclusive de qualquer passado nosso, embora não desejemos promessas nem qualquer futuro ou falsas ilusões de intensidade e eternidade que já não cabem nos nossos corações parcialmente destruídos.

Então não esperamos já nada além de deixar que escorra de dentro de nós tudo isso, e embora diante da tua imensidão que adivinho completamente e tão clara me parece, que a um mínimo consentimento percorreria todos os caminhos do teu corpo efervescente, como imaginas pelos meus olhos tudo que seríamos capazes, e assim me ensinarias a fechar-me sem saída nos teus labirintos em tudo que me ensinas a enxergar como tantas outras coisas que posso te falar de tudo que descobri, em tantos lugares que andei.

E em tudo isso é que penso na verdade quando derramo sobre ti palavras do gosto amargo do amor que sobrou do passado entre todas as amarguras que trago que em intensidade carregam mais que uma vida inteira, e tudo isso é que também pensas e queres quando derramas sobre mim em palavras os teus cansaços, as tuas incertezas e o peso de ser exatamente quem você é, que recai sobre ti com absoluta beleza que me entregas sem rodeios em um carinho infinito que transpassa pela rede e te deixas assim em minhas mãos, absolutamente transparente, absolutamente destemido, completamente decidido a essa loucura que nasce da tua luz, da qual me pergunto se não sou apenas outro inseto em volta, mas seja de qualquer forma, seja o que for que nos espere, admito apenas que amo, sem saber de que forma, sem querer entender ou explicar. E assim será, reconheço enfim, confundir pra mim é sempre fácil. Acontece que pra você também, pois não aprendemos nada sobre amor por departamentos.
E desde então é impossível recuar para não ir ao fim e fundo disso que nunca vivi antes e talvez tenha inventado apenas para me distrair nesses dias onde aparentemente nada acontece.










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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

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Cheiro de chuva no vento pela janela. Cheiro de chuva com sol das sete, com café e pão assado. Cheiros que só fazem sentido aqui. Amores que só fazem sentido aqui. E o meu tempo vai-se esgotando. Compensando a mais imensa solidão com euforia. E de tudo que sinto obrigo-me a ir para o lado completamente oposto. Recusando-me a sofrer, magoando-me ainda assim, por admitir que nunca serão alegrias todas as minhas euforias.
Por admitir com alguma lágrima no escuro da noite, que o que eu quero é tão pouco, muito menos do que todo o trabalho de sair à noite, perder tempo no espelho, gastar-me em conversas vãs, eu só queria alguém do meu lado nessa noite escura. Alguém que não esteja carregado de perfume, que não vai reparar se não uso maquiagem. Que não vai estranhar se eu dormir encolhida e ter paciência se eu precisar dormir abraçada. Que vai olhar o meu cabelo de manhã e continuar achando bonito. Não, não é ausência de sentimentos. É o absurdo excesso de todos eles, protejo-me.

Sem qualquer fé, sem qualquer esperança, sem forças de recomeçar ou insistir em qualquer coisa. Esse vazio ao qual vou dando espaço, começo a perceber que não é muito melhor do que deixar-me sofrer. A correnteza que escolha por mim. Ainda não aprendi a amar de uma forma que não inicie apenas por retribuir. Assim como uma rápida chuva fina pode me trazer tanta tristeza, simples demonstrações de afeto me conquistam. definitivamente.



"e quando chega essa hora da noite eu me desencanto. Viro outra vez aquilo que sou todo dia, fechada sozinha perdida no meu quarto, longe da roda e de tudo: uma criança assustada"

(Caio Fernando Abreu)



"Nunca fui como todos
Nunca tive muitos amigos
Nunca fui favorita
Nunca fui o que meus pais queriam
Nunca tive alguém que amasse
Mas tive somente a mim
A minha absoluta verdade
Meu verdadeiro pensamento
O meu conforto nas horas de sofrimento
não vivo sozinha porque gosto
e sim porque aprendi a ser só..."




(Florbela Espanca)










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