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domingo, 21 de novembro de 2010

Ocaso

Tenho a alma triste. A tarde insiste

Lá fora. Chora

A dor da vida

Caída

Persiste.

Aflora.


Ser só. Ser meu sol. Ser só meu.

Chuva sem alarde

Fria e fria a tarde

Só e somente minha

Sozinha

Dentro do mundo

Fundo

Poço. Largo. Paço calado.

Passo mudo

Surdo e alado.


A alma preservo

Intacta.
(estático sonho. desejo)

Intocada.
Estocada. Estancada: Protejo.

Reservo. Não revelo.

E espero.


Solidão.

Infinitamente

Solidão.

Anoiteço. Emudeço.

Calo. Calo. Calo.

Desfaleço

No ocaso da alma

A ciclotimia abrupta.
Ininterrupta.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010


Essa é a minha vida:
Estrada florida de caminhos tortuosos
Sem fim, na direção do poente.
Essa é minha alegria:
Vento sempre passando
Que vai-se às vezes de repente.
Essa é minha verdade:
Atalho escondido, sombrio
Tão distante da estrada.
Esse é meu sorriso:
Albergue esquecido
Que tornou-se abrigo de saudade abandonada.
Esse é o meu olhar:
Lago legado ao caminho
Que ninguém ousou mergulhar.
Essa é minha alma:
Automóvel inconstante
Veloz e sempre adiante
Sem saber onde parar.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Por Toda Parte


(egon schiele)







Nicole enxugou os cabelos curtos numa toalha molhada. Passou os dedos pelos olhos arrancando o resto de maquiagem que se misturava com uma ou duas lágrimas. ‘Uma ou duas, que diferença faz. Não na quantidade, mas na cor’. Lágrimas negras, pensou. Recolhia as roupas do chão, enquanto talvez encontrasse também alguns cacos daquilo que um dia foi sua alma. Vestiu-se. Saiu. Uns dezoito anos, uns dezoito dias, que diferença faria... Podia-se ver atravessando o parque, sem rumo, uma garota pequena e discretamente sem graça. Não, não se via. Porque sempre fora imperceptível. ‘imperceptiva’, dizia, de hoje em diante. Existiria essa palavra?...'Mas que me importa se essa palavra não existe, somos já duas então.’

Havia cheiro de pastéis e fumaça, e um cheiro de cigarro e de outras pessoas em seu corpo. Levava constantemente outros cheiros além do seu. Saía agora do corpo constantemente, e assim acabou saindo talvez da alma. Que grande bobagem -falava consigo, pelas ruas, coisas desconexas e profundamente concisas, sem se importar que alguém se admirasse de uma suposta loucura. Subiu no ônibus, ia em pé, deixando-se levar por aquele nervoso balanço . Deixava-se levar sempre, faz tempo. Desde que desistira dessa sede doentia de amor, desde que todo esse mar de sentimento contido adoecera, transformando-se em negra compulsão, quando descobrira que só pôde ser amada depois que todo aquele amor contido no cérebro descera para os quadris.

Era noite, agora.’É noite sempre’. Subira no ônibus errado e descera em qualquer lugar. Pensava, falava:’ Em qualquer lugar, pra qualquer lugar, por toda parte. não importa.’ Jamais encontrava onde fosse, algo além de si. As pessoas não eram senão o que podia ver de si nelas. As coisas só eram se as olhasse, ‘e se não olho, não existe. Coisas e pessoas não são muito diferentes’. Jamais achava algo além de si, tanto mais longe fosse, onde quer que pudesse ir. Porque estava 'em qualquer lugar, por toda parte'. Via-se agora naqueles muros pichados, estava no cheiro de urina dos becos, estava por dentro do gosto de cachaça da mesa do bar improvisado e sujo. Estava por baixo do esgoto, estava nas janelas, e em tudo que acontecia dentro delas. Estava na buzina dos carros e nos xingamentos de seus donos e nos seus donos irritados. Estava no alto do prédio cinza e na queda de quem já pulou, e na mancha pálida de sangue que ficou. Estava agora empurrando o carrinho de churros junto com aquele homem que voltava pra casa assobiando. Estava no insuportável cheiro do suor que escorria daquele corpo meio gordo e ensebado, daquele homem que podia ver como homem ou como mais um dia de trabalho. Estava no homem de cabelos vazios que diziam que ele já vivera muitos anos, e no seu sorriso medíocre que só usava quando necessário esconder-se. Estava na mulher de cabelos e roupas longas, com um livro na mão, que entrava numa certa igreja enquanto lhe destinava um olhar de desprezo.Estava no casal de namorados no muro mal iluminado, e no cheiro de saliva que espalhavam pelo corpo um do outro. Estava em toda parte, menos do lado de dentro.

E caminhava e a noite crescia e estava na noite, completamente, e a noite estivera sempre dentro dela. Escura, profunda, impenetrável. Imensa. Mas quem quer saber de imensidão. Pessoas começavam a chegar e a conversar nas esquinas, usavam roupas extravagantes e saltos muito altos. Homens, mulheres: pessoas, não importa. Estava nelas também. Amava-as todas. Estava em todos aqueles cabelos alterados para serem vistos, em todas aquelas maquiagens e tudo que brilhava porque as pessoas não desistem, não como ela. Não desistem e pra isso se transformam, se enfeitam: convidam. Aos poucos carros paravam e alguém subia e as horas passavam. ‘Quantas horas não importa. Não as quantidades, mas as cores.’ Sentou na calçada de algum prédio, alguém voltava da praia com um cachorro. Sentou para observar. Observava sempre, sem se preocupar com o que deveria concluir. Falava baixinho. ‘Não existem conclusões, tudo isso é farsa. Tudo isso é a saída para fugir da loucura, mas se todos ousássemos afrontar a loucura, aí sim, quem sabe, tudo seria real. Inconclusivo.Mutável. E aí todos iriam admitir que a beleza é torta, é abstrata, é incerta, enquanto procuramos fazer dela justamente o contrário.’

Aos poucos a calçada esvaziava-se. O burburinho das vozes e risos tornava-se menor e o da noite também. Ainda pôde ver-se também dentro da última pessoa que subiu no carro que parou, e dentro da música que tocava dentro do carro que cheirava algo como poeira.

Mas não era o último carro. Outro ainda, surgiu. Baixou os vidros escuros. Haviam dois olhos. Alguém acenou. Estava naquele aceno: teria que buscar-se, então. Buscava-se sempre, nas coisas onde estava, para trazer-se de volta. E as coisas às vezes eram pessoas. Todos os dias, ali, ou em qualquer lugar, ‘Em qualquer lugar, pra qualquer lugar, por toda parte’.Buscar-se. 'Em uma pessoa ou em todas, que diferença faz. Não na quantidade, mas na cor.'Importam as cores a reunir de novo.

Entrou no último carro, e estava em todos os gostos e cheiros que sentiria, e que traria de volta, ainda outra vez. Como fazia há dezoito anos, uma mulher madura e profundamente destruída. Como fazia há dezoito dias, uma menina e assutada que colecionava cores.