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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Aventure-se. Liberte-se. Voe.

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Por maior que seja a minha necessidade de amar, não o posso fazer sozinha. Foi preciso doer para que eu enxergasse. Desistindo fatalmente de ser 'melhor' a cada dia. Agora tanto faz, se sou primavera ou inverno. Tanto faz se a minha paz é teu inferno.

A vida decide, invade, arrasta, e quem sou eu diante da força da natureza, acima de todas as nossas escolhas. E nisso tudo, aprender a sentir minhas dores, ao invés de tentar sufocá-las. Aprender a chorar. A sentir saudade de tudo que faz parte de mim. É, eu me permito, sim. Descobrir que o amor deve ser um mar, sem limites, profundo, com ondas que vão e vem. Chega de pântanos. Se o amor agora pra mim é comédia, já me basta de tragédias. A explicação é simples. A descoberta é tardia. Achar alguém que vibre numa mesma sintonia.


Minha sentença é amar. O meu destino é sentir. Onde for preciso ir. Eu não temo nada quando venha do amor, seja ele qual for, de quem for, de quantas formas for. Eu não tenho medo de cair, se as minhas asas são imensas. Eu não tenho medo de ousar, se a minha alma me arrasta. Se o meu sangue implora. Tudo aquilo que me move nunca será errado. Ou proibido. Ou condenado. Apenas eu. Cadente, mas estrela.

Quem poderá subjugar a beleza do amor original? Quem o pode aprisionar? E que ninguém mais cegue os que vêem a mais. E que ninguém mais acorrente os que amam demais, os que sabem amar.


Nunca soube aprender a separar céu e inferno, fazer da vida um clube de campo. Separar uns aqui, outros ali, dividir pessoas pelo que negam de si mesmas. O mais difícil nesse mundo é aceitar que por trás de tudo, há apenas pessoas. Incapazes de aceitar que uma certa desordem é a ordem sagrada do mundo. Também não posso aceitar um Deus que seja menos do que tudo que se sente. Se ele não precisa de palavras, definição ou paredes.


E eu podia tentar dar só o melhor de mim, tentar merecer ser amada, mas já não me importa nada disso. Eu podia mostrar só o que eu tenho de mais bonito, mas acontece que os poetas são ambíguos. Instáveis, intensos, extremos, supremos, (promíscuos?): são anjos, são almas livres!

Eu queria escrever sempre num mesmo estilo. Poder dizer: sou contista. Poetiza. Prosa, verso, balela, qualquer coisa. Mas você já pode ver, coisa difícil é me enquadrar em qualquer definição, além da violência de uma solidão. E se mesmo assim você ainda não desistiu, te dou tudo de mim, então: organize. Impossível pra mim é julgar, separar, definir: faça-o você. Se puder, tente entender, porque eu só consigo sentir. Só não me peça pra fingir. Pra recuar se te assusto. Não posso te dizer só o que você quer ouvir. Ouse. Isso é amar.

Amar o torto, o vago, o incerto. O que há de ruim, sim. Ria-se dos meus defeitos. Desfrute dos meus vícios. Alguém real. Que tem sede de alma, e de pele também. Amar alguém que não cabe no seu ideal, mas pode ultrapassá-lo.

Aventure-se. Arrisque-se. Liberte-se. Voe, e caia sobre mim.

Liberdade: é disso que eu sou feita. O meu limite é não ter medida. Indefinições de espaço, laço, intensidade, tempo e dimensão: alforria da razão.





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Em êxtase.



O amor a toma nos braços e já não faz sentido qualquer juízo. E de todas as coisas que valessem em conta já pequenas seriam quando ele lhe disse : vem comigo.

Pediu que o tempo parasse como uma forma de não assumir tudo que deixava para trás. E, sem quase palavras na mente e algumas promessas nas mãos desafia tudo que tem por algo que nenhuma certeza lhe oferece . Quanto tempo estará ‘parada’ sua vida , sua solidão por tanto tempo cultivada e suas mais profundas meditações? Seus livros empoeiram nas estantes, seus cds românticos antes enojavam, fazem todo o sentido. Onde sua melancolia, junto com o seu juízo,razão, orgulho, dignidade e pudor? Sua tristeza por uma ironia despreocupada, despretensa. Seu ar sério na alegria que se lhe toma muitas vezes a pretender sufocar-lhe ou saltar aos olhos. E, ao demais, nada mais. Não pensar. E amar, amar, amar.

Oh! Perdoe-se o egocentrismo do amor. É que assim deitado à toa em seu colo lhe olha e é o que de mais belo existe e nenhum sentir comum poderá alcançar o elixir dessa fugaz felicidade. Esse mundo fechado a dois trincos será sempre desconhecido para mais de dois pares de olhos. É o preço. Mas se aprender calando e sorrindo o mistério que pede a vida para seus segredos é dádiva de cada, no retorno, um dia a si e aos seus, só há de perguntar: que ainda sou? E seguir sem esquecer do relance para trás donde lhe sorri o Amor dizendo: não lhes conte o que só se pode viver. Nunca explicar.

Se o futuro aos dois não abraçar, consta que tiveram na intensidade a certeza de todos os ‘pra sempres’ não ditos, e os suores de seus abraços quando ninguém mais se pertencia, para sempre – e agora, o que de mais vale - os manterá em êxtase.








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domingo, 21 de novembro de 2010

Ocaso

Tenho a alma triste. A tarde insiste

Lá fora. Chora

A dor da vida

Caída

Persiste.

Aflora.


Ser só. Ser meu sol. Ser só meu.

Chuva sem alarde

Fria e fria a tarde

Só e somente minha

Sozinha

Dentro do mundo

Fundo

Poço. Largo. Paço calado.

Passo mudo

Surdo e alado.


A alma preservo

Intacta.
(estático sonho. desejo)

Intocada.
Estocada. Estancada: Protejo.

Reservo. Não revelo.

E espero.


Solidão.

Infinitamente

Solidão.

Anoiteço. Emudeço.

Calo. Calo. Calo.

Desfaleço

No ocaso da alma

A ciclotimia abrupta.
Ininterrupta.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010


Essa é a minha vida:
Estrada florida de caminhos tortuosos
Sem fim, na direção do poente.
Essa é minha alegria:
Vento sempre passando
Que vai-se às vezes de repente.
Essa é minha verdade:
Atalho escondido, sombrio
Tão distante da estrada.
Esse é meu sorriso:
Albergue esquecido
Que tornou-se abrigo de saudade abandonada.
Esse é o meu olhar:
Lago legado ao caminho
Que ninguém ousou mergulhar.
Essa é minha alma:
Automóvel inconstante
Veloz e sempre adiante
Sem saber onde parar.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Por Toda Parte


(egon schiele)







Nicole enxugou os cabelos curtos numa toalha molhada. Passou os dedos pelos olhos arrancando o resto de maquiagem que se misturava com uma ou duas lágrimas. ‘Uma ou duas, que diferença faz. Não na quantidade, mas na cor’. Lágrimas negras, pensou. Recolhia as roupas do chão, enquanto talvez encontrasse também alguns cacos daquilo que um dia foi sua alma. Vestiu-se. Saiu. Uns dezoito anos, uns dezoito dias, que diferença faria... Podia-se ver atravessando o parque, sem rumo, uma garota pequena e discretamente sem graça. Não, não se via. Porque sempre fora imperceptível. ‘imperceptiva’, dizia, de hoje em diante. Existiria essa palavra?...'Mas que me importa se essa palavra não existe, somos já duas então.’

Havia cheiro de pastéis e fumaça, e um cheiro de cigarro e de outras pessoas em seu corpo. Levava constantemente outros cheiros além do seu. Saía agora do corpo constantemente, e assim acabou saindo talvez da alma. Que grande bobagem -falava consigo, pelas ruas, coisas desconexas e profundamente concisas, sem se importar que alguém se admirasse de uma suposta loucura. Subiu no ônibus, ia em pé, deixando-se levar por aquele nervoso balanço . Deixava-se levar sempre, faz tempo. Desde que desistira dessa sede doentia de amor, desde que todo esse mar de sentimento contido adoecera, transformando-se em negra compulsão, quando descobrira que só pôde ser amada depois que todo aquele amor contido no cérebro descera para os quadris.

Era noite, agora.’É noite sempre’. Subira no ônibus errado e descera em qualquer lugar. Pensava, falava:’ Em qualquer lugar, pra qualquer lugar, por toda parte. não importa.’ Jamais encontrava onde fosse, algo além de si. As pessoas não eram senão o que podia ver de si nelas. As coisas só eram se as olhasse, ‘e se não olho, não existe. Coisas e pessoas não são muito diferentes’. Jamais achava algo além de si, tanto mais longe fosse, onde quer que pudesse ir. Porque estava 'em qualquer lugar, por toda parte'. Via-se agora naqueles muros pichados, estava no cheiro de urina dos becos, estava por dentro do gosto de cachaça da mesa do bar improvisado e sujo. Estava por baixo do esgoto, estava nas janelas, e em tudo que acontecia dentro delas. Estava na buzina dos carros e nos xingamentos de seus donos e nos seus donos irritados. Estava no alto do prédio cinza e na queda de quem já pulou, e na mancha pálida de sangue que ficou. Estava agora empurrando o carrinho de churros junto com aquele homem que voltava pra casa assobiando. Estava no insuportável cheiro do suor que escorria daquele corpo meio gordo e ensebado, daquele homem que podia ver como homem ou como mais um dia de trabalho. Estava no homem de cabelos vazios que diziam que ele já vivera muitos anos, e no seu sorriso medíocre que só usava quando necessário esconder-se. Estava na mulher de cabelos e roupas longas, com um livro na mão, que entrava numa certa igreja enquanto lhe destinava um olhar de desprezo.Estava no casal de namorados no muro mal iluminado, e no cheiro de saliva que espalhavam pelo corpo um do outro. Estava em toda parte, menos do lado de dentro.

E caminhava e a noite crescia e estava na noite, completamente, e a noite estivera sempre dentro dela. Escura, profunda, impenetrável. Imensa. Mas quem quer saber de imensidão. Pessoas começavam a chegar e a conversar nas esquinas, usavam roupas extravagantes e saltos muito altos. Homens, mulheres: pessoas, não importa. Estava nelas também. Amava-as todas. Estava em todos aqueles cabelos alterados para serem vistos, em todas aquelas maquiagens e tudo que brilhava porque as pessoas não desistem, não como ela. Não desistem e pra isso se transformam, se enfeitam: convidam. Aos poucos carros paravam e alguém subia e as horas passavam. ‘Quantas horas não importa. Não as quantidades, mas as cores.’ Sentou na calçada de algum prédio, alguém voltava da praia com um cachorro. Sentou para observar. Observava sempre, sem se preocupar com o que deveria concluir. Falava baixinho. ‘Não existem conclusões, tudo isso é farsa. Tudo isso é a saída para fugir da loucura, mas se todos ousássemos afrontar a loucura, aí sim, quem sabe, tudo seria real. Inconclusivo.Mutável. E aí todos iriam admitir que a beleza é torta, é abstrata, é incerta, enquanto procuramos fazer dela justamente o contrário.’

Aos poucos a calçada esvaziava-se. O burburinho das vozes e risos tornava-se menor e o da noite também. Ainda pôde ver-se também dentro da última pessoa que subiu no carro que parou, e dentro da música que tocava dentro do carro que cheirava algo como poeira.

Mas não era o último carro. Outro ainda, surgiu. Baixou os vidros escuros. Haviam dois olhos. Alguém acenou. Estava naquele aceno: teria que buscar-se, então. Buscava-se sempre, nas coisas onde estava, para trazer-se de volta. E as coisas às vezes eram pessoas. Todos os dias, ali, ou em qualquer lugar, ‘Em qualquer lugar, pra qualquer lugar, por toda parte’.Buscar-se. 'Em uma pessoa ou em todas, que diferença faz. Não na quantidade, mas na cor.'Importam as cores a reunir de novo.

Entrou no último carro, e estava em todos os gostos e cheiros que sentiria, e que traria de volta, ainda outra vez. Como fazia há dezoito anos, uma mulher madura e profundamente destruída. Como fazia há dezoito dias, uma menina e assutada que colecionava cores.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Eu sou exatamente aquilo que me incomoda. Me apresento a cada dia, muito bem, é isso aí: é que eu já tinha esquecido de mim. Eu sou exatamente aquilo que me dói inteira. Descubro uma verdade em cada dia, e se preciso destruo e refaço todas elas dia após dia. E essa grande procura de mim mesma já é na verdade o meu grande encontro.
Apenas nunca fui frágil, e é difícil aceitar a própria violência.

Eu sou todas essas incertezas, todas essas sedes e toda essa que não faz idéia de onde se encaixam certo e errado, que tentou silenciar-se, não ser, não sentir tanto. E procurei fugir de mim, escondendo-me em alguém. Curiosamente, isso me fazia bem. Mas descubro que não é assim, e que não tenho mais medo de mim, tão pouco do julgamento dos outros. Tentei não me perder, e foi exatamente aí que me perdi de mim. Tenho voltado, cautelosamente piso no terreno incerto de mim mesma, mas é esse que é meu, é isso que eu sou, não posso mais fugir. Desistir de mim nunca será o caminho quando não há no mundo quem saiba o caminho qual é. Tenho o cansaço regresso de caminhos extremos. Também a liberdade pode ser perigosa. Ser escrava do certo aprisiona mas ser escrava do erro machuca demais.

Insistem,por dentro, esses olhos que não descansam nunca.


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DIAS CLAROS


Os dias vão passando entre coincidências sutis e tudo pra resolver que resolvo deixando pra amanhã. Casas de madeira sobre o rio e sob um sol que resiste ao passar das horas, circundam meninas de cabelos muito longos e lisos, meninos magros de olhos pequenos fazem alvoroço e como o sol, também persistem lá fora. Procuro pássaros mas só há aves de rapina, e alguns bem-te-vis perdidos. O calor é forte, seca rápido a chuva que insiste em cair por dentro. Nem preciso dizer que isso tudo é a cara do Norte que conheço há pouco, e deixarei em breve.

A vida frágil, curta e infinita. Pessoas infinitas ameaçadas pela fragilidade da carne. A fragilidade da vida contrasta com a força dos olhos onde se leva a alma. Alma...Um dia, inda esbarro numa. Dessas que a gente não duvida, só em olhar. Dessas que fazem coisas que não conseguem trair a certeza que temos de quem exatamente ela é.

Lembro... lembro alguém que agora apenas dói, infinitamente. Restou uma dor, mais nada. Um dói estranho. Um dói quando falo, um dói quando ouço. Além disso supero as lembranças que só voltam a muito custo, mas voltam, e doem. Mas há outros ímãs e aos poucos sou atraída pela própria naturalidade da alma dos olhos.

E outra vez a falta de ar me visita dia pós dia, e preciso dos remédios para trazer o fôlego que me foge, com esforço que faço para respirar, e para existir, enquanto nos outros isso é algo natural. Mas não comigo, mas não assim. Não natural como o meu esforço por não ver a dor que encontro em tudo, para resistir à beleza arrebatadora de sorrisos marcados, de olhares que trazem verdades encontradas em caminhos obtusos. E quanto mais sei que deveria caminhar em linha reta no terreno plano, mais involuntariamente caminho para o precipício, pois não há nada mais triste do que o caminho em linha reta e pés presos ao chão, antes saltar do despenhadeiro com os braços abertos, embora eu já saiba muito bem que o destino é sempre o chão.

domingo, 24 de outubro de 2010

A mudança, o sentido. O sentido da mudança. A mudança de sentido.

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(alguns pensamentos soltos)

A variar nas minhas crises de inconstância. Agora, mesmo. Porque a mudança é a lei da minha vida, quem sabe a única constância além do meu nome em todos esses anos. Vou aqui puxando pela memória...Lembro da minha infância, da repreensão que levei da professora por não responder à pergunta: “qual sua cor preferida”. Na minha doentia timidez, todas as cores passaram pelo meu rosto enquanto o suor gelava minhas mãos, mas não pude escolher uma só. Já adolescente, ouvia as críticas da minha mãe a dizer que nunca escrevi com a mesma caligrafia por mais de dois dias, e que essa mania tosca não melhorou conforme cresci. Falta de personalidade – dizia ela. Pode ser. Ou o excesso: várias. Dificuldade em eleger uma só. Coisa é que nunca perdi meu tempo com psiquiatras mas taí, quem sabe deva começar a pensar.

Alguém outra vez me disse que pareço uma fugitiva. Como um camaleão, até mesmo minha cor pode ser várias, só querer, das mais claras às mais escuras, coisa dessa herança genética completamente brasileira. Uma fugitiva...pode ser, pode ser...Tava revendo hoje umas fotos, notando a minha impossibilidade de permanecer com o mesmo corte, cor, cabelo por mais de algum tempo que costumam contar em meses, não mais que alguns poucos. Meses, anos, anos que não voltam, anos que usei para amar, coisa que inventei pra me passar o tempo desde a infância.

Ah,o amor, a infância, o amor na infância...Ele é perfeito. Ressurge e volto a entender como fui capaz de alimentar tanto tempo o amor mais platônico e inimaginável de todos. É perfeito, enfim. Um pouco imaturo talvez. Não,não é. Eu é que sou velha demais, sempre fui, e prefiro continuar bem longe. Além do mais nunca fui boa nessa coisa de marketing pessoal, sincera preguiça pra minha propaganda, não sou boa nisso,veja só. O meu sorriso nem sequer é um bom cartão de visita. Nem ao menos gosto de perfumes, prefiro os tipos de cheiros que só é possível sentir de perto, e quanto mais perto mais se sente, mais se embriaga. Tanto mais perto, mais se conhece, nada de merchans, então.

Sigo, mudança que sou. E, procurando o sentido. O sentido, afinal, todo mundo precisa de um. O sentido que por ele mudo e mudei sempre, e mudarei sempre, a cada segundo de cada minuto, o procuro. Já não quero o ‘verdadeiro sentido’, só quero achar algum que dê certo. Eu até tinha um mas o fato é que não por minha escolha, faliu. Explico: temendo a obscuridade dos abismos da minha mente vagante e das minhas ações juvenis ingênuas, passionais e por isso mesmo desenfreadas, achei o sentido. No lar, na casa, na família feliz, rumo certo, igreja no domingo, roupa passada. E tudo fazia sentido quando a casa cheirava a limpeza e a rua já estava em silêncio, cada coisinha no seu lugar, coisa boba assim e pequena capaz de me dar tanta estabilidade que nunca tive, bem assim como fosse possível arrumar a cabeça ao arrumar gavetas.

Mas como disse o Caetano, tudo é muito mais. Agora sei lá, to meio por aí. Ando cansada de sentir e ansiosa por isso. É que sigo vagando e pensando e todas as contradições acabam por explicar-se umas às outras. E sei que sou velha, Estou velha. O meu rosto tem o peso dos anos que fisicamente ainda não completei. Como se visse todos os caminhos a escolher a partir do destino final. Velha e escrava, escrava da mudança, essa me arrasta como um vento, a ela sou acorrentada e arrastada, meus cabelos tocam o chão, e agora sou toda poeira de estrada e estradas. E tanto sou mudança que tenho dificuldades em manter o sentido do texto, o sentido do início do texto. É, o sentido.









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quinta-feira, 21 de outubro de 2010

ausência

(de alguns anos atrás)

Procuro por alguém
Que talvez nunca existirá
Alguém que, sem que eu fale
Possa já me escutar.


Que habite comigo outro mundo
Que em todo instante eu possa querer
E que esteja longe, tão longe deste
Que já desisti de compreender.

Procuro um olhar que me faça sorrir
Que entenda, sem que eu precise dizer
Que sou menos do que imagina
E sou mais do que pode ver.

Que veja somente o que sou
Escura como a noite, clara como o dia
E ao rumo do infinito leve os meus olhos
Decaídos no abismo dessa angústia fria...

Mas, qual! O tempo passa sem esperança
E sinto a cada dia, a cada hora
Que o amor para mim é só lembrança
Pois ele chega, passa e vai embora...



ok, perdoem, eu era só uma adolescente rs...

domingo, 17 de outubro de 2010

Sou Silêncio

E mais uma vez sou silêncio. O silêncio que aprendi da lua. O silêncio que entrou em mim a partir da brisa que veio do mar naquela tarde de estio. O silêncio que um dia vi ao caminhar nessa pequena cidade que se funde com a imensa floresta amazônica, silêncio entrecortado pelos pássaros nos galhos mais altos, refletido numa flor do mato esquecida, que me implorava o olhar. O silêncio estupefato de uma manhã azul que se quedava aos pés dos lírios mais alvos enquanto eu os olhava e pensava... Sou silêncio. Sem perceber, silenciam-se as pessoas para reverenciar o dia nublado. E eu o persigo, e me deixo invadir. O silêncio embalsamando meus pensamentos, derramando-se pelos meus olhos, emudecendo minha voz, enfraquecendo a força dos meus gestos: imobilizando-me. Pesando inteiramente sobre meus ombros, porém com o peso que tem os flamboyants escorrendo pelas estacas.

Caminho pelas ruas ao cair da tarde com meu filho, vejo crianças. E como elas, ele é feliz. Tenho a ele e já não me sinto tão só. Mas como resistir, como não sentir a solidão que está em tudo que mais me fascina, pois que tudo que há de mais belo no universo, tanto maior seja, mais denota infinita solidão, mais me embriaga de arrebatador deslumbre. O mar e a lua, as estrelas mais distantes, aquele pântano esquecido cheirando forte a abandono, no caminho da floresta. Imensamente sós, a espera do meu olhar: compreendemo-nos.

E eu que tanto busquei ser mais que uma, sendo menos, sendo apenas metade, a esperar que alguém me completasse... Tolice. Por um momento não podia suportar inteiramente o meu próprio peso, o peso de ser quem sou, e quis ser só metade. Mas já não há aquarelas. Do meu lado outra vez o cheiro de solidão. Esta, que sempre foi verdadeiramente minha companheira. E a lua nunca duvidou conhecer inteiramente a minha essência, ainda quando eu me perdesse. No litoral, o vento sopra: o meu lugar. E lá, o silêncio rugidio do mar continua a falar sobre mim: turbulento, inconstante, solitário, permanente.


Perdi a utopia do amor
No quintal da casa de sonhos
As nuvens cinzas enfim chegam
Com o chamado da minha alma
Cansada.



Avesso

Eu vivo em um dia que passou
Quero ainda o que neste senti
Não sonho: lembro. E onde vou
Recuo, sabendo que devo seguir.

Das águas do rio me banham as passadas
Sigo nelas na balsa que afundou
E sinto a minha vista embalsamada
E minha pele o tempo já marcou.

Eu quero tudo que foi
Que nunca foi, que não é mais.
Queima-me o sol que já se pôs,
Quero as flores que não colherei jamais.

De tudo, sou o pouco que fica
Sou o barco velho que na praia apodreceu.
Vejo o fim que tudo me indica
Quero o canto do riso que já morreu.

E assim vou vivendo a mocidade
Nisto tudo tão velho e tão conciso
Até que a própria transitoriedade
Possa arrancar-me do meu próprio abismo.

sábado, 9 de outubro de 2010

O Vaso Vazio


Vagando
Porque oscilo em tudo e tanto
Alma perdida
Desleixada
Desvairada
Esvaída.

Porque descrente
De tudo que se busca
Inutilmente
Muito ofusca
O olhar dormente
Já nada incrusta
À mente
Doída
Alheia
Rendida.

Vagando
Porque renego toda certeza
Repleta
De aspereza
Incompleta.

Porque de tudo
O que fica
É mesmo a procura
E nenhuma cura
Me virá abrandar
A tortura constante
De nada encontrar.

E de tudo que desisto
Só não deixo de pensar
Onde me irá levar
Esse tormento
De ser
(vadio intento)
racional?

Oscilando em tanto instante
Que já não firmo
Nem penso idéia
E um qualquer colibri
Cruza um céu não longe
Vem me dizer
A boca só fala
Do que está cheio o coração:
Emudeci.

Dois mil passos no mesmo rumo
Toda velocidade é lenta
Chove, sopra, chove...
E a possibilidade me atormenta.

(É a possibilidade
Que atormenta.)

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Entrelinhas

(antiguinhos)

Quantas vezes voamos juntos
Em mil loucuras vividas
Com a alma a dois repartida
Quantas vezes, quantas vias...
E os meus olhos te seguindo
Quantas vezes num conjunto
De tristezas e alegria?
Quantas vezes entre teus braços
O meu corpo desvalia
Entre vias, entre laços
Entrelinhas de abraços
Entre o mundo que vivia...
Que existia por nós dois
Que agora está desfeito...
Entre tudo que não passa
Entre tanto ‘pra depois’
Como pensamento meu
Não tem jeito...
Entre olhos: O Adeus.


Camila Dantas

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NASCENTE


Um último sol nos chamou
Deixei-o ir.
Quando na brisa ecoou
A voz que senti
A julgar-nos amor
Mandei-te partir.

Pois há tanto que não sabes...
Tanto que não me podes crer
Que não sou a que te vê
Que não amo o que te encerra...
Como o ciclo da torrente
Quero só o que tu sentes
Como quer ao mar, a serra.

Como quero, displicente
Os teus olhos tão dormentes
O teu colo tão carente
Te mergulho e não me perco
Trazendo segura o beijo
Do desejo da nascente

Da nascente que sangrava
Em riacho converteu
Tuas águas à deriva
Vieram a córrego meu.

E eu, que descuidada!
Sabendo-te bem querer
Não soube, porém, tresloucada
Deixar tanta água correr.

Vendo além o pantanal triste
Que guarda as águas prisioneiras
Meu coração ainda insiste
Na moléstia forasteira.

E agora, como fugi-la?
Como tirar do amor o desatino
Que desafia o sopro de qual vento
Venha dizer-lhe:
"não é este seu destino"?



Camila Dantas


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VIS ILUSÕES

Calo-me.
Mas há o peito.
Silêncio...não é ausência.
Descrença
Se me alimenta
Doença não é amor.
Lamento-me.
Mas resto e insisto.
Vertigens...mas sobrevivo
Ambíguos
Todos sentidos
Vencidos os corações.
Desolo-me.
Mas resta o tempo.
Inúteis
Todas paixões
Varões destes sentimentos
Tormentos...vis ilusões.


quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Amiga

Que bom você ter me acompanhado esses anos todos, ainda que de longe. É como se você fosse meu anjo protetor, e eu sempre teimando em fazer tudo errado. Que bom te ver tão bem, eu ando muito bem sim. Posso ainda não saber olhar as estrelas sem querê-las mais perto, mas venho sendo até feliz, no saldo final.

Lembra quando a gente se reunia pra estudar? Você sempre reclamando da minha falta de concentração. E porque me concentro em todas as coisas tenho dificuldades em eleger só uma. E eu fazia sua sobrancelha e você pintava meus olhos enquanto dizia o quanto eu era fora de moda e vivia mais dentro dos meus livros de romance do que do lado de fora.

Lembro das nossas conversas e o quanto podíamos andar o bairro inteiro a tarde toda sem perceber, papeando todas as coisas. Hoje os meus pés se acostumaram a não ir muito longe, assim desaprendi também a dançar. Lembra o quanto você queria que eu te ensinasse?

Mas além e adiante disso tudo tenho tido até muita sorte. Você sempre dizia que de nada me valia um bom cérebro quando se tinha um coração irracional que o esmagava. Hoje eu bem sei. Ah, você sempre com os pés no chão (de vez em quando esticando muito seus braços para segurar os meus e me puxar de volta).

Você sempre esteve certa em todas as certezas. E eu completamente certa da beleza dos meus erros. Eu com aquela minha psicose pelos anjos caídos, na beleza das asas maculadas, ateava fogo em meu próprio corpo, sempre a partir do estômago. E você dizia: você vai se machucar. E eu mesmo assim pulei. E me esborrachei. Mas...to aqui. E me parece que quando a gente conhece a queda passa a não ter mais medo dela. É aí que está o perigo.

Talvez a gente demore a se ver. Você em outro estado, eu sempre por aí sem rumo certo. Talvez nossos filhos já saibam andar de bicicleta ou quem sabe estarão chegando em casa de manhã. Isso não sabemos. O que eu sei é que você vai ser sempre essa velhinha que me ensina o caminho, que nunca precisou trilhar o erro pra saber o que é melhor pra você. Aquela que vai me acudir e sempre me mandar criar juízo, e aposentar esse sentimentalismo violento. Aquela que faz parte da minha vida, por mais por fora que pareça em alguns momentos. Aquela que um dia veio pra ficar.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Ela já não sabia mais insistir na própria morte. Descobria que queria desesperadamente viver. Queria ir além de admirar os fascinantes precipícios, queria conhecer outros crepúsculos, tinha a sede de cores novas, de contar novamente as estrelas. Descobria que ainda respirava e começava a tomar fôlego fundo. Não dava mais pra retroceder. Acordava.

Então lembrava de quando se deixou arrastar pela lama, para o pântano. Jamais encontrou as águas cristalinas e tranqüilas que buscava. Não podia, não seria, não era o amor. Nem tudo que escapa ao controle da amizade é amor. Muito pouco o é.

Não sabia fechar aquela porta. Sim, a porta, porque as janelas estavam sempre fechadas. Se alguma houvesse aberta na certa um dos dois teria se atirado. Mas ela as fechava cuidadosamente mesmo quando alguém insistia em bater. As fechava cuidadosamente a cada dia que saía e depois fechava a porta atrás de si, sem conseguir deixar lá dentro todas as lágrimas. São essas que às vezes nos traem, e escorrem a verdade salgada.

- e o que havia feito de si?

O que sobrou ela enfiou em alguma gaveta. Mas aqueles CDs guardados teimavam em tocar na sua cabeça. E as cinzas das bobas cartas de amor queimadas ainda cheiravam forte, teimosas. Guardou tudo, escondeu tudo. Ela mesma escondeu-se. Porque um dia ele disse que tudo aquilo eram bobagens- e tudo aquilo era tão ela. Tudo isso porque um dia sonhou demais, idealizou demais. Porque achou que podia em si com o mundo inteiro nas costas. E na verdade um sonho que tem o poder da liberdade, pode ser destruidor: escraviza. As pessoas seguem insistindo em caminhos tortos, por medo do fim, por medo do que essa palavra tão pequena encerra. O fim é desastroso. É terrivelmente doloroso. E quando a dor a dois já há muito tempo é maior que a dor do nunca mais, não há mais o que temer.

Não posso mais fingir que não há dor. Quero olhá-la de frente. Preciso saber que sou mais forte.



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Apesar de você


Se eu pudesse fugir e te levar comigo
Se eu pudesse alcançar o fim do sol contigo
Se eu pudesse reinventar o meu destino...


Se eu pudesse ousar te amar
E estar contigo noutro lugar
Talvez não precise ser tão longe...

Se eu quisesse não calar essa idéia
Tão quieta, tão muda e sem pretensão
E mergulhar nesse caminho
E recomeçar agora...

Se eu pudesse não ver tudo tão real
Se eu fosse como todos, simplesmente normal
Se eu não pensasse tanto
Não temesse tanto
Se eu não me doasse tanto...

Se eu pudesse querer viver
Me atirar sem me importar
Nenhum medo de cair, nenhum medo de voar
Amar só por amar,
sem sentido, sem limites, sem explicação...


Se eu pudesse te dizer como agir
Se eu pudesse te contar tudo o que eu quero
Se eu pudesse saber o que eu quero...

Se eu pudesse fechar meus olhos
E não pensar, e me deixar querer
Se eu pudesse te querer, apesar de você,
Apesar de você...




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E me vejo aqui nessa terra hostil, de um calor implacável, desses onde não há lugar para flores. E eu em vão as procuro na floresta, com meus olhos ansiosos seguindo a poeira da estrada, em vão. Elas estão muito longe – e eu invariavelmente longe delas. Tento redescobrir o ocaso, mas o fim de tarde aqui é de uma luz febril, e o céu perfeitamente limpo mal o posso olhar, há muito não encontro nele as cores que um dia tingiram os meus sonhos. Tenho tentado voltar pra mim, já há muito tempo me perdi, e parece difícil retomar o caminho. É que tudo que venho fazendo é tentar não ser assim tão inconstante, assim tão sentimento. Renego-me. Tentando a qualquer custo me livrar desse jeito tão meu de amar, que de tão puro é ingênuo, infantil. E se me mostram que amor e sinceridade são quase antagônicas, onde me refugio, eu que não sei separá-las uma da outra?

Que se pode fazer quando sua alma está do lado completamente oposto, transparente e vulnerável, do lado de fora? Que se pode fazer se ela teima em não obedecer e salta, e saindo pelos seus olhos, suas mãos, suas palavras, se estende para muito mais longe que a cela do seu corpo? em vão me esforço para comprimi-la, e então vejo-me de repente, oca, a cada dia que luto para matar covardemente essa saudade traiçoeira, e uma dor que de tão infinita não permito senti-la. E tanto mais finjo que não se fez sombra em mim, mas esta sombra me acompanha, nas cicatrizes do meu sorriso, nessas lágrimas que viram pântano, no brilho opaco dos meus olhos cansados. E assim se torna impossível retomar meus cacos e todo o resto que se pode juntar quando não se sabe mais pra onde ir ao se dar conta de que todo seu amor não foi suficiente para alguém.

domingo, 26 de setembro de 2010

lamento do lírio branco


 Lírio de brancas asas, flor viajora
Que não descansas o pensamento incessante
Não te cessa esse querer de voar?
Não te quedas pelo vil medo de amar?

Lírio de brancas asas
Que não repousas de tua ânsia fatigante
Onde vais, assim, sem meu olhar?
Onde irei eu, adiante, sem te encontrar?

- Vou em busca do meu bem de lutar
Penso as cores e as flores que trarei
Levo no peito os amores que deixei
Deixo contigo a esperança do porvir
Do retorno de quem não quis partir.

Soneto

Veja quem vem, o vento...
De longe ele vem vindo
E de frio, curvada, estou indo
Soprando com ele um lamento.

Este vento, tão frio assim
Com meus cabelos brincando
E em meu rosto soprando
É o frio que faz em mim...

É um frio que está aqui...e sai
É o vento que esfria meu ser
E por meus olhos se vai

Ao longe ele está soprando
E a ilusão que tentava nascer
Consigo ele vai levando...

Partida

Aonde pensa
Que vai o amor?
Como criança traquinas
Parte e ousa, pequenina
A estrada sem temor.
E com os olhinhos adiante
Narizinho tão pedante
Peito aberto e passo firme,
Desafia o desespero
Deixa vago esse mosteiro
Que hoje sangra e me redime.




FOLHAS SECAS

Vejo hove o vento vindo da invernada
Mais que de repente uma cruel rajada
De trovões e raios que o céu desfere

Contra mim, e folhas secas voam
Onde meus passos arrastados soam
Como o tropel que a mim mesma fere.

Em vão procuro divisar um rancho
Para trancar consigo o meu pranto
E mesmo em face do frio, quisera

Estar perdida para me buscares
E me arrancar de todos os olhares
E me roubar a última quimera
.
A vida é repleta de momentos ruins e outros muito bons...a diferença é que eu não vou sozinha. O dia-a-dia só nos revela cada dia mais o que nunca queremos ser. Nos tornamos iguais...por querer?
 Parece tudo tão simples agora:calmaria, rumos certos, serenidade. O mais engraçado é que eu posso encontrar tudo num céu azul, num cheiro de mato verde, numa paisagem duma foto...
 O que me faz pensar que as respostas estão todas ali, em frente. Me dá a certeza de que Deus é o mais simples possível, me levando a encontrá-lo cada dia mais dentro de mim. Descubro-o de dentro para fora, não o contrário.
 Assim aparecem respostas, para essa grande coisa que é a vida... inventamos tanto com a nossa inteligência, será que de tudo isto precisamos mesmo? O fato é que meus pés foram feitos para a areia molhada, mas preciso do dinheiro para calçá-los se quiser pisá-la. Isso nunca me libertaria.
 Simplesmente e sutilmente. O sagrado da vida. Contemplação é a Real oração, nenhuma outra. Liberdade de dentro para fora, de Deus para nós, do amor para a vida, para nós que precisamos tanto dele!
 Amor que traz harmonia, serenidade, paz, fé, respostas, encontros, certezas. Que vem de Deus e é a nossa grande chave.Ter amor é plenitude.
 E de todas as coisas que eu poderia dizer com meus pés na terra e meu corpo em águas limpas do mar sem fronteiras, a maior seria: Sinta. Essa é a chave de tudo. Que nos leva a procurar o melhor a todo instante, que não nos deixa sossegar, porque queremos a nossa essência. E muitos ainda nem saíram a procurar.

Parece que foi ontem...

Ainda me lembro do exame nas mãos, do meu andar, “pisando em ovos”...Você, tranquilão, provavelmente ria-se de todas as minhas nóias e se pudesse diria: “relaxa,mamãe!”
 A primeira roupinha que comprei, o primeiro sapatinho,já abriam um grande espaço no armário,mas não maior do que passavam a abrir no meu coração. A descoberta do sexo, a escolha do nome, que não podia ser outro: Davi, o amado. O eleito de Deus. Como o Rei que todas as noites fazia sossegar a minha alma incansável, com sua poesia de fé. Isso. Era isso que aquele pequeno ia trazer, o sossego para uma alma que implorava por uma razão Maior.
 E ainda sinto o cheiro da tinta salpicando o chão do quarto. Quantos sonhos em celeste impregnados pelo pincel! Estes me renderam ataques de euforia noturna, quando despertava só pra misturar um pouco daquele sonho com a magia do silêncio de uma madrugada.
 Fui ficando pesada. Quase que por medo. Queria enchê-lo de todos os nutrientes, e a água que saturava-me o estômago era pra deixar-te o mais confortável possível. A cada manhã os meus olhossaltavam de alegria, ao imaginar que poderia ser aquela a primeira mexidinha. E essa manhã chegou. E por minha conta teria durado para sempre, ora aninhando-se embaixo da minha mão, ora sumindo, lá estava ele... quanta bênção, Deus!
 A partir daí poderia ter mudado meu nome para Bomba Relógio Sousa, ou Pilha de Nervos Dantas. Tudo era espera. E já ensaiando nossas noites futuras, pus-me a dormir lendo-lhe salmos, acalentando,conversando...e tão sutil essa comunicação que não poderia ser compreendida para além e fora de nós dois.
  Malas prontas. E aquela imensidão de eternidade finalmente passou,saturada de ansiedade,até medo, e muita euforia.
 E o dia chegou, ele o escolheu. A dor anunciou-se, como a própria dor que acompanhará para sempre uma mãe: A dor imperiosa de morrer sempre mais até transitar fora de si, para amar, amar e amar. A dor que acompanhará para sempre uma mãe por não poder mais conter em si o que há de mais precioso do que ela mesma: a dor de permitir a contragosto que seu coração passe a viver do lado de fora.
 E com o primeiro raio de sol ainda tão sutil, saímos de casa, para voltarmos abraçados. A natureza não ajudou, mas enfim, num fim de tarde...é...num fim de tarde...Como tantos ocasos que passei, mais jovem, a sós com a imensidão do mar. Ou mesmo quase criança, quando subia no telhado bem nesse horário para contemplar o espetáculo de luzes e ver a noite chegar. Num fim de tarde, que diz mais sobre mim do que trocentas mil palavras, chegava ele. Primeiro, com a melodia mais suave que meus ouvidos já sentiram: um chorinho que me fez estarrecer como se a minha própria vida começasse ali. Depois, de encontro ao meu rosto, à minha voz, aos meus braços.
 E desde esse instante saltei para uma órbita além da que vivem os meros mortais. Talvez por isso a comunicação com esses tornou-se mais difícil: eu deixava de ser, pensar e falar para apenas sentir. Mas novamente dor: a dor de te alimentar,exatamente naquele momento que imaginei povoado de magia e carinho, vinha a dor e me tirava a noção de espaço, vertendo-me em gotas de lágrimas e sangue. Mas ali estava aquele mini rostinho de santa satisfação e persisti, por saber que coisa melhor no mundo não havia para te alimentar, que oferecesse alimento embrulhado de amor. E assim foi, infelizmente por meses,a dor. Até hoje volteia-me ela, como um trocado que paguei por outro tão imenso sonho.
  Um ano como outro não haverá jamais em minha vida, foi o que vivi. Evoluções por minuto, todas arquivadas na minha memória. O primeiro sorriso, o primeiro afago. O descobrir dos dedinhos, o falar pelos olhos. O início do ‘sentar’, como eu,como ‘Buda’; a chegada de cada dentinho povoando aquele sorriso maravilhoso, como se fosse possível ele ficar ainda mais lindo. Em cada minúcia nossas mãos tão parecidas compartilhavam a fantástica descoberta da vida. Anjo meu...tens o dom de me devolver a calma que a noite tantas vezes insistiu em me levar. Despertava exultante à noite, do sono para o sonho, só pra te contemplar, ou te alimentar.
  E tudo isso trouxe você até aqui. Esse pequeno encanto, que acorda chamando ‘bola’ e tentando dar cambalhotas, eufórico na alegria que é viver, ciente dos mistérios da vida no recomeço de cada manhã. E eu, com minha velha apatia matinal, te levo lá fora e já não sei se tanta luz vem do Sol ou de você.
  Meu pequeno...muitas vezes vou seguir-te assim: contemplando a maravilha da minha felicidade personificada. E ao brincar, você me vê ao seu lado e percebe em meus olhos uma lágrima, que como pequeno cientista você toca, examina e me pergunta com os olhos o porquê.
  Meu anjo...não se admire se outro dia caminharmos com os pés no mar e eu pareça tão distante. Não fui muito longe, estou apenas ‘lá dentro’. É só chamar. Atravessamos milênios num ano e quilômetros com seus minúsculos pés. Lutamos e lutaremos sempre. Seja pelo nosso amor, seja pela utopia de um novo mundo, conte comigo. E se hoje não te dou festas por estarmos em terra de exílio, saiba que festa maior não pode haver do que a que há em mim, agora. Como posso eu te dar parabéns, se a única palavra que me salta do peito e amarra a garganta é: obrigada. Obrigada por existir. Obrigada por me trazer, por encomenda de Deus, a felicidade. Obrigada por me arrancar da velha solidão que, tanta, nem desconfiava que sempre estivera comigo. Obrigada por encher meus olhos de luz e meu sorriso de brilho. Obrigada por dizer, sem única palavra, o que é amor.

Parabéns,
meu anjo,
meu Davi,
minha Vida!

sábado, 25 de setembro de 2010

A águia e as galinhas

-Quero a minha liberdade
Preciso voar, voar!
Estas coisas dizia a águia
No seu agressivo olhar.

Apartada foi de seu ninho
Para entre as galinhas se criar
Olhos filhos do horizonte
Mas não o pode buscar.

Todo o galinheiro a rejeita
Selvagem por dentro, sem querer
Guerreira da terra, sem o ser,
És do infinito azul a eleita.

Deixai sair esse grito
Que não aprendeste a soltar
Filha dos alpes, coração nas garras,
Tuas asas podem voar!

Águia sofrida, te deixes levar
De todas as aves, o vôo magistral
Não és galinha, te criaste como tal
Mas não te conformas em ciscar.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Relento

  A lua hoje desceu mais cedo, veio no meio da tarde. Estava com insônia, e deixou-me esta. Vou até o quintal de madrugada. Deito-me no cimento, entre os matos e flores selvagens de cheiro forte. Não há luzes, não há animais que me ameacem, antes, me observam e igualmente anunciam nossa oração madrigal. A essas horas, a lua já se foi e ficaram-me as estrelas distantes.

  Lembro-me dos meus tempos baianos onde as via quinhentos metros mais de perto. Eu era quase ainda criança, e estava mesmo mais perto do céu. Foi num tempo em que o vento forte trazia medo junto com seus cheiros de noite. Trazia meus pensamentos e sempre preferi fugi-los. Mas a imensidão hoje me engrandece. Seu silêncio me fascina. As estrelas, aqui mais distantes, estão esquecidas como se há muito ninguém as olhasse.
  Marte logo vem. E cada um desses pontos sem nome é ainda partícipe de uma miríade fantástica, e a luz que emanam, sei que pode chegar a mim.
  Preciso da noite. Dependo do mar e dos seus ventos de alegria ou solidão. E por causa desta, nunca esqueço-me. Aceito minha condição...Sou o que quero e preciso, mas ninguém se agrada disso: não há retratos. E sempre mancharei as aquarelas certas sobre mim.  Porque gosto demais de sonhar, porque sempre vou fugir de vez em quando me levando, tentando sem cansar persistir nas coisas que vejo a mais, e só me tratam para que eu  as esqueça.


  Mas amanhecerá. Vou ficando... é que as paredes não me cabem, coisa mais tosca.  Vagante. Tudo que consigo é despertar a curiosidade de uns, o desprezo de outros. E o tédio em mim.
  De meu cérebro, desisto: é fadado. Envelhecerei sempre anos em dias e às vezes precisarei ler algum prólogo para tornar ao raciocínio objetivo, para que as palavras repitam: você está bem, não se preocupe, estamos com você. Quanto ao meu coração desenfreado, segue sangrando de quando em vez: tem desistido de mostrar o que sente.
 
 

criança, a alma do negócio

muito interessante:


http://www.vimeo.com/15027345