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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

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Devia ter uns 35 anos. Ou talvez sua expressão de profunda irritação ao me ver seria ainda maior se viesse a saber que lhe atribuí tal idade. Fato é que era bonita, talvez mais altiva que bonita. Não que sempre fosse notada mas de alguma forma, não passava despercebida. Tinha algo de arrancado pelo tempo, embora um orgulho teimoso fosse o que tornava seus olhos grandes tão bonitos. Os cabelos tingidos de preto, muito cacheados, eram secos e amarrados de qualquer forma. Não sei que espécie de critério as pessoas dessa cidade utilizam para selecionar as pessoas com quem falam, só sei que eu certamente não estava entre as suas. Sua expressão impaciente piorava ainda mais ao esbarrar na minha presença pela calçada, mãos dadas com meu filho. Mas a contrariedade de ser assim uma vizinha tão gratuitamente chateante a ela não era o bastante para me fazer retribuir-lhe a antipatia, antes, dispensava insistentemente uma curiosidade inquietante.

Quando passava por alguém, inicialmente baixava a vista como tentando discretamente reparar na sua própria aparência, e a partir disso sentia-se pior ou melhor, a depender da conclusão. E só então levantava o rosto com a mesma altivez e o brilho do orgulho que combina tão bem com olhos negros e que não é defeito, nem qualidade, é apenas adorno nas mulheres de olhos negros.

Era dessas pessoas que passam a vida entre os sonhos e as amarguras que deles nascem diretamente, dessas que não exitam nos seus ímpetos, e depois levam a vida a se punir e a tentar aceitar a contragosto que a mesquinharia da cidade estava mesmo certa: voltam-se contra si mesmas quando apesar de não desistirem, já não tentam mais.

As crianças eram três, uma delas eu vi mais vezes, magrinha, cabelo curtinho, expressão de bichinho assustado. A casa, sempre fechada, janelas e portas, era feia e escura como talvez o que sobrou dos seus impulsos mais apaixonantes. A música sempre alta como que para entrar na cabeça à força, fazendo-a esquecer o tumulto da própria mente.

Mas o som não abafava o choro das crianças, que por serem a parte fraca de tudo que não deu certo, recebiam a materialização da frustração e do ódio: pancadas. Nos momentos de vasão aos monstros interiores, é assustadora a natureza humana. É quando se materializam todos os pensamentos que dia-a-dia trabalham na expressão do rosto cada vez mais contraído, sendo todos de uma vez só. E eu só podia ouvir a tristeza daquelas três crianças, por tão pouco saberem da vida além do que é errado, feio, triste e dorido. Na sua condição de criança que não experimentou muitas belezas e alegrias, talvez não seja possível dimensionar a sua própira infelicidade. Mas um dia quando adulta, aquela menininha magrinha com expressão de bichinho assustado não vai saber explicar que tipo de coisas moldaram mais o seu rosto do que a própria genética, para fazê-la tão impotente e incapaz diante da vida escura e assustadora.

Essa manhã o pai das crianças chegou com aquele caminhão muito velho, seu único instrumento de trabalho. Pôs pra cima todas as caixas mal arrumadas, os móveis velhos, com criança e tudo. Mas eu vi a mulher dos olhos negros abrir a porta emperrada com suas próprias forças, e subir por sua própria vontade na ferrugem que arrastaria outra vez os seus sonhos destruídos.








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