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domingo, 26 de setembro de 2010

Parece que foi ontem...

Ainda me lembro do exame nas mãos, do meu andar, “pisando em ovos”...Você, tranquilão, provavelmente ria-se de todas as minhas nóias e se pudesse diria: “relaxa,mamãe!”
 A primeira roupinha que comprei, o primeiro sapatinho,já abriam um grande espaço no armário,mas não maior do que passavam a abrir no meu coração. A descoberta do sexo, a escolha do nome, que não podia ser outro: Davi, o amado. O eleito de Deus. Como o Rei que todas as noites fazia sossegar a minha alma incansável, com sua poesia de fé. Isso. Era isso que aquele pequeno ia trazer, o sossego para uma alma que implorava por uma razão Maior.
 E ainda sinto o cheiro da tinta salpicando o chão do quarto. Quantos sonhos em celeste impregnados pelo pincel! Estes me renderam ataques de euforia noturna, quando despertava só pra misturar um pouco daquele sonho com a magia do silêncio de uma madrugada.
 Fui ficando pesada. Quase que por medo. Queria enchê-lo de todos os nutrientes, e a água que saturava-me o estômago era pra deixar-te o mais confortável possível. A cada manhã os meus olhossaltavam de alegria, ao imaginar que poderia ser aquela a primeira mexidinha. E essa manhã chegou. E por minha conta teria durado para sempre, ora aninhando-se embaixo da minha mão, ora sumindo, lá estava ele... quanta bênção, Deus!
 A partir daí poderia ter mudado meu nome para Bomba Relógio Sousa, ou Pilha de Nervos Dantas. Tudo era espera. E já ensaiando nossas noites futuras, pus-me a dormir lendo-lhe salmos, acalentando,conversando...e tão sutil essa comunicação que não poderia ser compreendida para além e fora de nós dois.
  Malas prontas. E aquela imensidão de eternidade finalmente passou,saturada de ansiedade,até medo, e muita euforia.
 E o dia chegou, ele o escolheu. A dor anunciou-se, como a própria dor que acompanhará para sempre uma mãe: A dor imperiosa de morrer sempre mais até transitar fora de si, para amar, amar e amar. A dor que acompanhará para sempre uma mãe por não poder mais conter em si o que há de mais precioso do que ela mesma: a dor de permitir a contragosto que seu coração passe a viver do lado de fora.
 E com o primeiro raio de sol ainda tão sutil, saímos de casa, para voltarmos abraçados. A natureza não ajudou, mas enfim, num fim de tarde...é...num fim de tarde...Como tantos ocasos que passei, mais jovem, a sós com a imensidão do mar. Ou mesmo quase criança, quando subia no telhado bem nesse horário para contemplar o espetáculo de luzes e ver a noite chegar. Num fim de tarde, que diz mais sobre mim do que trocentas mil palavras, chegava ele. Primeiro, com a melodia mais suave que meus ouvidos já sentiram: um chorinho que me fez estarrecer como se a minha própria vida começasse ali. Depois, de encontro ao meu rosto, à minha voz, aos meus braços.
 E desde esse instante saltei para uma órbita além da que vivem os meros mortais. Talvez por isso a comunicação com esses tornou-se mais difícil: eu deixava de ser, pensar e falar para apenas sentir. Mas novamente dor: a dor de te alimentar,exatamente naquele momento que imaginei povoado de magia e carinho, vinha a dor e me tirava a noção de espaço, vertendo-me em gotas de lágrimas e sangue. Mas ali estava aquele mini rostinho de santa satisfação e persisti, por saber que coisa melhor no mundo não havia para te alimentar, que oferecesse alimento embrulhado de amor. E assim foi, infelizmente por meses,a dor. Até hoje volteia-me ela, como um trocado que paguei por outro tão imenso sonho.
  Um ano como outro não haverá jamais em minha vida, foi o que vivi. Evoluções por minuto, todas arquivadas na minha memória. O primeiro sorriso, o primeiro afago. O descobrir dos dedinhos, o falar pelos olhos. O início do ‘sentar’, como eu,como ‘Buda’; a chegada de cada dentinho povoando aquele sorriso maravilhoso, como se fosse possível ele ficar ainda mais lindo. Em cada minúcia nossas mãos tão parecidas compartilhavam a fantástica descoberta da vida. Anjo meu...tens o dom de me devolver a calma que a noite tantas vezes insistiu em me levar. Despertava exultante à noite, do sono para o sonho, só pra te contemplar, ou te alimentar.
  E tudo isso trouxe você até aqui. Esse pequeno encanto, que acorda chamando ‘bola’ e tentando dar cambalhotas, eufórico na alegria que é viver, ciente dos mistérios da vida no recomeço de cada manhã. E eu, com minha velha apatia matinal, te levo lá fora e já não sei se tanta luz vem do Sol ou de você.
  Meu pequeno...muitas vezes vou seguir-te assim: contemplando a maravilha da minha felicidade personificada. E ao brincar, você me vê ao seu lado e percebe em meus olhos uma lágrima, que como pequeno cientista você toca, examina e me pergunta com os olhos o porquê.
  Meu anjo...não se admire se outro dia caminharmos com os pés no mar e eu pareça tão distante. Não fui muito longe, estou apenas ‘lá dentro’. É só chamar. Atravessamos milênios num ano e quilômetros com seus minúsculos pés. Lutamos e lutaremos sempre. Seja pelo nosso amor, seja pela utopia de um novo mundo, conte comigo. E se hoje não te dou festas por estarmos em terra de exílio, saiba que festa maior não pode haver do que a que há em mim, agora. Como posso eu te dar parabéns, se a única palavra que me salta do peito e amarra a garganta é: obrigada. Obrigada por existir. Obrigada por me trazer, por encomenda de Deus, a felicidade. Obrigada por me arrancar da velha solidão que, tanta, nem desconfiava que sempre estivera comigo. Obrigada por encher meus olhos de luz e meu sorriso de brilho. Obrigada por dizer, sem única palavra, o que é amor.

Parabéns,
meu anjo,
meu Davi,
minha Vida!

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