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domingo, 17 de outubro de 2010

Sou Silêncio

E mais uma vez sou silêncio. O silêncio que aprendi da lua. O silêncio que entrou em mim a partir da brisa que veio do mar naquela tarde de estio. O silêncio que um dia vi ao caminhar nessa pequena cidade que se funde com a imensa floresta amazônica, silêncio entrecortado pelos pássaros nos galhos mais altos, refletido numa flor do mato esquecida, que me implorava o olhar. O silêncio estupefato de uma manhã azul que se quedava aos pés dos lírios mais alvos enquanto eu os olhava e pensava... Sou silêncio. Sem perceber, silenciam-se as pessoas para reverenciar o dia nublado. E eu o persigo, e me deixo invadir. O silêncio embalsamando meus pensamentos, derramando-se pelos meus olhos, emudecendo minha voz, enfraquecendo a força dos meus gestos: imobilizando-me. Pesando inteiramente sobre meus ombros, porém com o peso que tem os flamboyants escorrendo pelas estacas.

Caminho pelas ruas ao cair da tarde com meu filho, vejo crianças. E como elas, ele é feliz. Tenho a ele e já não me sinto tão só. Mas como resistir, como não sentir a solidão que está em tudo que mais me fascina, pois que tudo que há de mais belo no universo, tanto maior seja, mais denota infinita solidão, mais me embriaga de arrebatador deslumbre. O mar e a lua, as estrelas mais distantes, aquele pântano esquecido cheirando forte a abandono, no caminho da floresta. Imensamente sós, a espera do meu olhar: compreendemo-nos.

E eu que tanto busquei ser mais que uma, sendo menos, sendo apenas metade, a esperar que alguém me completasse... Tolice. Por um momento não podia suportar inteiramente o meu próprio peso, o peso de ser quem sou, e quis ser só metade. Mas já não há aquarelas. Do meu lado outra vez o cheiro de solidão. Esta, que sempre foi verdadeiramente minha companheira. E a lua nunca duvidou conhecer inteiramente a minha essência, ainda quando eu me perdesse. No litoral, o vento sopra: o meu lugar. E lá, o silêncio rugidio do mar continua a falar sobre mim: turbulento, inconstante, solitário, permanente.


Perdi a utopia do amor
No quintal da casa de sonhos
As nuvens cinzas enfim chegam
Com o chamado da minha alma
Cansada.



Avesso

Eu vivo em um dia que passou
Quero ainda o que neste senti
Não sonho: lembro. E onde vou
Recuo, sabendo que devo seguir.

Das águas do rio me banham as passadas
Sigo nelas na balsa que afundou
E sinto a minha vista embalsamada
E minha pele o tempo já marcou.

Eu quero tudo que foi
Que nunca foi, que não é mais.
Queima-me o sol que já se pôs,
Quero as flores que não colherei jamais.

De tudo, sou o pouco que fica
Sou o barco velho que na praia apodreceu.
Vejo o fim que tudo me indica
Quero o canto do riso que já morreu.

E assim vou vivendo a mocidade
Nisto tudo tão velho e tão conciso
Até que a própria transitoriedade
Possa arrancar-me do meu próprio abismo.

3 comentários:

Tiago Fabris Rendelli disse...

A gente se cansa mesmo e daí sem esperar, um dia, surge o novo para te tirar de todos os eixos.

T.

Angelo disse...

Ah, um pouco de paciência, ele chegará outra vez. Como já escreveu Caio F. Abreu: "Não, meu bem, não adianta bancar o distante: lá vem o amor nos dilacerar de novo..."

Ótimo texto, meus parabéns!

Romualdo Dantas disse...

nossa.... esses poemas vc vem escrevendo agora ou voce ja havia escrito anteriormente e esta resgatando as palavras? as vezes acho que nao sou mais capaz de escrever nada... falta tanta inspiração no agora.